INTRODUÇÃO
ROMANCE
OU CIÊNCIA?
Em 1594, Willian
Shakespare lançou seu mais famoso romance, Romeu e Julieta. O livro conta a
história trágica de dois jovens pertencentes a famílias rivais que se apaixonam
e no final morrem. Seria como a dicotomia entre a Psicomotricidade e a Educação
Física? Estas disciplinas se completam e podem caminhar juntas, como queriam o
jovem Romeu e a bela Julieta? Ou, ao contrário, assim como as famílias Capuleto
e Montecchio, não se toleram e são incompatíveis.
Existiria uma
dicotomia entre Educação Física e a Psicomotricidade? Dicotomia, segundo KURY
(2001: 252) é a "divisão de um conceito em dois elementos em geral
contrários". Observamos que no dicionário citado, a expressão "em
geral", nos deixa em aberto a questão, podendo ser contrários ou não as
abordagens relativas a Psicomotricidade e a Educação Física.
Acreditamos que existem três formas de
utilização das abordagens propostas pelos educadores. Há os que acreditam não
ser possível minimizarem o impacto entre o conflito das duas abordagens, pois
há uma ligação destas com o modo próprio de ver o mundo de cada abordagem,
portanto o pesquisador deve utilizar uma delas. Há, ainda uma segunda postura,
a da tolerância ao trabalho com os dois métodos, utilizando-se em uma abordagem
Psicomotora, recursos da Educação Física ou o inverso. Uma terceira postura é a
liberdade de utilização de conceitos, sem a presença de dualismos, articulando
as duas abordagens. Desta forma, a utilização destas abordagens dependerá do
construto do pesquisador.
Na atualidade fixar
uma diferença inflexível entre a Psicomotricidade e a Educação Física, dentro
do que percebemos, parece ser não tão inteligente, pois os professores podem
utilizar características de uma ou de outra abordagem em suas práticas.
Entendemos que a
busca da compreensão sobre a utilização, em conjunto, dos métodos citados é de
grande importância aos professores. A desmistificação da não aproximação entre
a Psicomotricidade e a Educação Física precisa ser realizada nos meios
acadêmicos. É comum observarmos preconceitos quanto à utilização mútua das
abordagens, outras vezes encontramos defensores ferrenhos, mas também existem
aqueles que experimentam as duas abordagens, com um método prevalecendo sobre o
outro.
Assim, por estarmos utilizando este tipo de relação
em nossas aulas de Educação Física, procuramos, através da reflexão de diversos
autores, contribuir em um maior debate sobre o tema.
É importante aos
professores, antes de defender suas posições metodológicas, conhecer as
possibilidades entre as abordagens Psicomotora e a Educação Física. É,
necessário, inclusive, conhecer as possibilidades de integração entre as duas
metodologias.
Assim nos
questionamos: a abordagem Psicomotora pode completar a abordagem da Educação
Física? Ambas se completam ou, são antagônicas? Não existe possibilidade de
interação entre ambas? É possível um meio termo? Existe a abordagem psicomotora
dentro da educação física?
Desta forma, este
artigo possui como propósito maior compreender, através de uma pesquisa bibliográfica,
como a abordagem Psicomotora e a Educação Física podem ser utilizadas dentro de
uma mesma aula.
Abordagem psicomotora
e a Educação Física: diferentes como Capuletos e Montecchios? Ou completam-se
como Romeu e Julieta?
No livro de
Shakespeare, havia uma verdade absoluta reinante na Verona da época, Capuletos
e Montecchios são pessoas diferentes em tudo, em crenças, valores e virtudes.
Será que a Psicomotricidade e a Educação Física, assim como as famílias
inimigas da obra Romeu e Julieta, são completamente diferentes?
Observamos que vários
autores trazem estudos importantes sobre o movimento humano, e que estas
teorias, tanto podem ser aplicadas à Educação Física como à Psicomotricidade.
Segundo Oliveira (1997), Merleau-Ponty (1971)
ultrapassa a visão dualista entre corpo e mente, para ele o homem é seu corpo;
Harroew (1972) é citado por ligar a sobrevivência do homem primitivo ao seu
desenvolvimento psicomotor; o mesmo autor cita os sete movimentos básicos inerentes
ao homem: correr, saltar, escalar, levantar peso, carregar, pendurar e amassar;
também ressalta Piaget (1987), quando o mesmo descreve a importância da
motricidade para o desenvolvimento da inteligência; lembra que Wallon (1979)
salienta a importância do aspecto afetivo adquirido com a comunicação realizada
pelo diálogo corporal.
Tais autores, trazem
a importância do movimento para o homem, características que refletem os
objetivos primordiais da educação física e também da psicomotricidade.
De acordo com Le
Boulch (1982, 24), a educação psicomotora:
"deve ser
considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona topos
os aprendizados escolares; leva a criança a tomar a consciência de seu corpo,
da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir a
coordenação de seus movimentos".
Vygotsky (1998), apud
Souza (2004), afirma a importância do brincar como ferramenta principal para a
aquisição das capacidades intelectuais do indivíduo. A autora também cita
Fonseca, que destaca a aplicação das práticas corporais como fundamentais, a
fim de se evitar problemas escolares.
Outra vez constatamos
finalidades em comum para as abordagens da Educação Física e da
Psicomotricidade.
Segundo Le Boulch (1984),
a Educação Psicomotora se originou na França, em 1966, pela fragilidade da
Educação Física, já que a mesma não teve condições de responder as expectativas
de uma educação integral do corpo.
Não queremos aqui
realizar uma crítica a teoria de Le Boulch, até porque a seguimos, mas
lembramos que a Educação Física, não pode ser confundida com educadores
físicos, portanto, não podemos generalizar, talvez o acontecido não refletisse
o pensamento de todos os profissionais educadores físicos da época.
Souza (2004) reforça
a idéia de que nem todos, no ramo da Psicomotricidade, descartam a Educação
Física. Cita Pierre Vayer (1984), afirmando que a Educação Psicomotora utiliza
atividades de Educação Física com o objetivo de melhorar ou normalizar o comportamento
das crianças.
De acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), novas vertentes surgiram em
oposição à ala mais tecnicista, esportivista e biologicista da Educação Física,
entre elas a abordagem psicomotora. Nela o envolvimento da Educação Física é
"com o desenvolvimento da criança, com o ato de aprender, com os processos
cognitivos, afetivos e psicomotores, ou seja, buscando garantir a formação
integral do aluno" (BRASIL 1998: 23).
A prática da Educação
Física sob a influência da Psicomotricidade lança o profissional da disciplina
à possuir responsabilidades pedagógicas, valoriza o processo de aprendizagem e
não apenas o ato motor (BRASIL, 1998).
Damasceno (1997),
lembra que Ramos (1979), justifica que a Educação Psicomotora é parte
integrante da Educação Física, embora se oponha à Educação e Reeducação Física
tradicional.
Reflexões conclusivas
Ao realizarmos o
estudo bibliográfico que abordava o tema, nos deparamos com autores que
possuíam posições diversas. Alguns acham que as abordagens são possíveis de
integração, outros afirmam ser isto uma modalidade de estudo jamais realizável.
Assim como na Verona
medieval, onde se passa a história de Romeu e Julieta, quando alguns indicavam
que o casal poderia constituir uma relação, mas ao mesmo tempo, os mais
conservadores, ditavam a incoerência desta união.
Defendemos a posição
que podemos utilizar a Psicomotricidade na aula de Educação Física, assim como
podemos recorrer a práticas da Educação Física nas sessões de Psicomotricidade.
Da mesma forma, se as
famílias de Romeu e Julieta tivessem deixado o ódio de lado, chegariam a
conclusão de que poderiam, com a junção do casal, se completarem, aumentar suas
riquezas, utilizando inclusive, recursos uma da outra.
Entendemos que a
Psicomotricidade e a Educação Física não são incompatíveis, podem ser
integradas e que ao invés de serem inimigas podem ser instrumentos auxiliares.
Percebemos que não se faz impossível a junção de uma metodologia com a outra,
pois ambas podem se auxiliar e se completar.
Outra vez nos
reportamos ao romance entre Romeu e Julieta, da mesma forma que as abordagens
citadas, os dois não são incompatíveis somente por suas origens familiares
(Seriam os Montecchios corporais? Seriam os Capuletos intelectuais?). O casal
se completa em seu objetivo: o amor (as abordagens referidas também podem se
completar em seu objetivo: promover a junção entre o movimento e o pensamento).
Por fim, ao invés de inimigos, Montecchios e Capuletos poderiam se auxiliar e
juntos teriam encontrado respostas para suas perguntas, assim como a
Psicomotricidade e a Educação Física.
É necessário aos
profissionais o rompimento do antigo paradigma, que inflexibiliza a integração
entre as duas metodologias. Assim como Romeu e Julieta, devemos transpor a
barreira da discórdia e da incompreensão.
Reproduzimos um
diálogo entre Romeu e Julieta, quando se conhecem no Jardim dos Capuletos, para
ilustrar que, da mesma forma como ambos integraram-se também é possível uma
união entre a Psicomotricidade e a Educação Física no que se refere a
utilização durante as aulas:
ROMEU - Que luz reluz através daquela janela?
É o Oriente e Julieta é o sol!... É minha dama! É o meu amor!
JULIETA - Ai de mim!
ROMEU - Fala anjo luminoso!
JULIETA - Que homem és tu, que surpreende de
tal modo meus segredos?
ROMEU - Meu nome, adorada, é odiado por mim
mesmo porque é teu inimigo...
JULIETA -Não és Romeu? Não és um Montecchio?
ROMEU - Nem um nem outro, formosa donzela, se
os dois te desagradam.
JULIETA - Como chegaste até aqui, dize-me e
por quê?
ROMEU - Com as asas do amor, transpus estes
muros, porque os limites de pedra não servem de empecilho para o amor. E o que
o amor pode fazer, o amor ousa tentar. Assim teus parentes não me são
obstáculos.
JULIETA - Se te virem, matar-te-ão...
JULIETA - Ó Romeu, Romeu! Por que és Romeu?
Renega teu pai e recusa teu nome; ou, se não desejares, jura-me somente que me
amas e não mais serei um Capuleto.
ROMEU - Continuarei a ouvi-la ou vou
falar-lhe agora?
JULIETA - Somente teu nome é meu inimigo. Tu
és o mesmo sejas ou não um Montecchio...
ROMEU - Tomo-te a palavra. Chama-me apenas de
amor e serei de novo batizado. Daqui para diante, jamais serei Romeu.
SHAKESPEARE (2002: 53)
Como no diálogo
acima, devemos como profissionais, não lutarmos pela afirmação da
Psicomotricidade ou da Educação Física. Podemos, ao invés de sermos inimigos
(na defesa de sua metodologia) sermos um só, reconhecer o potencial da outra
abordagem e não nos acomodarmos na sua predileta. Igualmente à fala de Romeu,
precisamos transpor as barreiras e ousar tentar. Assim preconceitos não serão
obstáculos. Também relacionado à fala de Julieta; quando afirma que Romeu
continua sendo o seu amor, mesmo sendo um Montecchio, a educação, independente
de ser psicomotora, física ou até mesmo psicomotora/ física, sempre será
Educação Corporal!
Existe um ditado
popular que diz: "os opostos se atraem". É assim que tentamos
encerrar este artigo, tentamos, pois parece ser uma discussão inacabada.
Educação Física e Psicomotricidade podem parecer opostos, assim como Romeu e
Julieta, mas, nos parece que há uma paquera entre estas abordagens. Mas, ao
contrário da obra de Willian Shakespeare, torceremos para que esta integração
não tenha um final infeliz!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Educação Física. Brasília: MEC/ SEF, 1998
DAMASCENO, L.G. Natação, psicomotricidade e desenvolvimento. Campinas, SP: Autores
associados, 1997.
KURY, A.G. Dicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2001.
LE BOULCH, J. O Desenvolvimento Psicomotor: do nascimento aos 6 anos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1982.
OLIVEIRA, G.C. Psicomotricidade: educação e reeducação num enfoque psicopedagógico.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
SHAKESPEARE, W. Romeu e Julieta. Texto
integral. Tradução de Jean Melville. Coleção
obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2002
SOUZA, D.C. Psicomotricidade: integração pais, criança e escola. Fortaleza:
Editora Livro Técnico, 2004.